Esta
semana, o Público (disponível aqui
– acesso condicionado) aludiu a um estudo elaborado pelo V-Dem Institute da Universidade de Gotemburgo, na Suécia
(disponível aqui),
nos termos do qual se concluía que as medidas de combate à pandemia associada
ao SARS-COV-2, tomadas por diversos Executivos, tinham provocado um decréscimo
da qualidade da democracia em 82 Estados.
Os dados
para as conclusões do estudo foram recolhidos até meados de maio e, para a
conclusão, foram tidos em consideração, designadamente, a extensão dos poderes que
os Executivos passaram a assumir, o respeito pelas regras dos estados de
emergência ou a restrição de direitos. Portugal aparece como um dos países
melhor classificados.
Em Portugal,
conhece-se a influência política que o Presidente da República assumiu para a
declaração do estado de emergência (descrita, por exemplo, nesta
notícia do Expresso), desde logo
porque essa é também uma importante competência que lhe é atribuída pela
Constituição (artigo 134.º, alínea d) da CRP). Na própria cerimónia evocativa
do 25 de abril, realizada na Assembleia da República, o Presidente da República,
lapidarmente, explicou o essencial papel reservado ao Parlamento, referindo que
o “estado de emergência implica um reforço
extraordinário dos poderes do Governo. E porque vivemos em liberdade e
democracia, e é com elas que queremos vencer estas crises, quanto maiores são
os poderes do Governo, maiores devem ser os poderes da Assembleia da República
para o controlar. Por isso, a Assembleia da República nunca parou de funcionar
e discutiu e votou o mais importante em sessões plenárias. Ao fazê-lo,
trabalhou e trabalha para cumprir a sua missão nacional”. Adiante,
acrescentou que “[o] que seria
verdadeiramente incompreensível e civicamente vergonhoso era haver todo um país
a viver este tempo de sacrifício e de entrega, e a Assembleia da República
demitir-se de exercer todos os seus poderes numa situação em que eles eram e
são mais do que nunca imprescindíveis” (discurso disponível online aqui).
Politica
e juridicamente ficou bem explicada a opção e a democracia portuguesa saiu
reforçada. Não obstante, com o levantamento do estado de emergência – e ao
abrigo de situações previstas na lei da proteção civil – têm sido tomadas
medidas restritivas de direitos fundamentais por parte do Executivo, através de
simples resolução do Conselho de Ministros (veja-se, por exemplo, a recente Resolução
do Conselho de Ministros n.º 45-B/2020). Aí claramente se restringe, por
exemplo, o direito de reunião, previsto no artigo 45.º da CRP (e entendido,
designadamente, nas palavras de Jorge
Miranda/Rui Medeiros como “aglomeração
de pessoas em número variável”). Ou seja, não só as restrições não são
feitas através de lei do parlamento, como, aparentemente, o órgão de soberania
com essa competência não tem manifestado perplexidade, nem atuado em
conformidade. Efetivamente, embora vivamos já desde maio num sistema de
perfeita normalidade constitucional, parece que a Assembleia da República se
está a demitir dos seus poderes.
Note-se
que não estou, com isto a dizer que as restrições não deveriam ter lugar. Estou
a apenas a chamar a atenção para a necessidade de obedecer ao procedimento
previsto nos termos constitucionais. A evolução do constitucionalismo (português)
teve vicissitudes várias e embora a demos como garantida, percebemos que as
instituições e a sociedade civil devem ser fortes na sua defesa. A não ser
assim, podemos permitir, porque amorfos, a apropriação de poderes por quem não
os pode exercer e, aquando do seu controlo judicial, poderá ser natural que os
tribunais não possam aplicar tais normas. Receio sinceramente que, nessa
circunstância, seja fácil a apropriação de argumentário populista e a criação política
de precedentes que apenas fragilizam a democracia.
É
inexplicável a apropriação destes poderes por parte do Governo (através de
simples Resolução), sem que se ouça uma palavra por parte da Assembleia da
República (a, não ser, dentro do grupo parlamentar do PS, a de Isabel Moreira,
conforme notícia do Público – acesso
condicionado), ou do Presidente da República, enquanto garante do regular funcionamento das instituições democráticas (artigo
120.º da CRP). Seria tempo de corrigir o erro.
………………..
Perguntas da semana
(Uma) pergunta que gostaria que tivesse sido
feita ao Ministro Pedro Nuno Santos:
Foi
considerada a opção de o Estado prestar uma garantia à TAP? Se sim, por que
motivo não foi seguida a opção, tendo em conta o erário público?
Nessa
circunstância, a estrutura acionista e a gestão poderia manter-se e a companhia
poderia procurar obter financiamento a um preço mais baixo, sem que o Estado (pelo
menos para já) aumentasse a sua posição e custos na TAP.
(Uma) pergunta que foi feita e que gostaria
que tivesse sido respondida pelo Ministro João Leão:
A partir
do minuto 1:11:00 (22:46 horas do vídeo da RTP 3), o
jornalista pergunta:
“Com a posição reforçada do Estado (…) as
contas da TAP vão passar a contar para o défice e para a dívida pública? (…) As
contas do Estado Português vão ficar prejudicadas?”
O
Ministro das Finanças assumiu o impacto de 946 milhões de euros no défice e na
dívida este ano, acrescentando que “Há
muitas empresas públicas que não estão no perímetro das contas públicas (…). Entidades
que têm uma natureza essencialmente mercantil, não é por serem do Estado que
integram o perímetro das contas públicas. (…) A TAP, S.A. tem uma natureza
essencialmente mercantil e, nesse sentido, não tem de passar a integrar as
contas públicas. (…) Não se espera um efeito automático e direto”.
Pelo
raciocínio exposto, não há nunca impacto nas contas públicas (em sentido
estrito). A resposta indicia que o Governo não sabe. O que tornaria mais pertinente
a resposta à pergunta que gostaria que tivesse sido feita.
José Francisco Veiga
José Francisco Veiga
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